TESTE

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013




Chove a duas semanas.  Eu não tenho feito nada de interessante a não ser ler, escrever e dormir. Faz semanas que não sinto alegria que sentia ao conversar com minhas amigas nos tempos de colegial. Hoje é diferente e a palavra saudade tem sido usada com mais frequência que antes. Acho alegria em uma laranja com sal, duas, três. Frutas são exatamente o meu tipo de paladar favorito. Uma delícia. 

Tudo bem, vou tentar começar sem rodeios.

Há algumas semanas, exatas duas semanas que eu penso no mistério da morte e do milagre da vida. Exatamente duas semanas, a mesma quantidade de tempo que as nuvens andam precipitando na minha cidade acima do meu lar e acima das inúmeras casas que ocupam toda a sua extensão territorial. Igualmente, há poucos dias, menos que uma semana, vendo as tragédias ao meu redor, comecei a pensar sobre fins, mortes, céu, vida, enfim, em tudo.

Mal percebi que tinha que enfrentar o mundo lá fora. Era sábado , mais ou menos umas 7hrs da manhã. Peguei um ônibus e cheguei onde deveria chegar. Olhava em volta, sempre temendo alguma coisa. O medo chegava em meu coração e eu me sentia diferente de alguma forma por pensar nisso. Continuei meu dia resolvendo e cumprindo compromissos que deveria. Acabou, era hora de enfrentar o mundo mais uma vez. Saindo do local em que estava, mais uma vez , agradeci intimamente por estar respirando o oxigênio aquele momento. Subi até o ponto de ônibus e esperei chegar o que servia para mim e me levaria para um local seguro. E dois minutos exatos, ele chegou. Acenei, e ele parou. Subi agradecendo por estar viva e por poder ir para casa sem arranhões. Olhei para as pessoas sentadas e elas me olhavam com indiferença. O ônibus estava lotado. Olhei para o motorista, que também fora indiferente , e perguntei mesmo assim.

- Quanto custa a passagem?
- 6,50.
- Aqui.

Passei na roleta e fiquei em pé segurando nos canos metálicos e o motorista arrancou com o carro e logo após, me deu o troco. Quando passei pela estrada vi a rapidez dos carros que disputavam o lugar na pista com o ônibus em que eu estava. A pista tinha duas vias. Uma que ia, outra que voltava. As arvores estavam um pouco mais apagadas e a chuva tinha dado uma trégua. Graças a Deus o engarrafamento não dominava por onde estávamos. Diferentemente da outra pista.

Na outra pista vi um acontecimento doloroso. Da minha janela pude ver a fileira de carros, caminhões, carretas e ônibus esperando por minutos aquele nó se desatar. Acontecera um acidente. O ônibus em que eu estava andava cada vez mais rápido e de repente, foi diminuindo a velocidade. Alguns passageiros ficaram curiosos e correram para as janelas. E eu, mal sabia que estava prestes a ver uma coisa que me manteria pensativa até o final do trajeto.

Era um carro completamente estraçalhado. Estava em cima de um reboque, com a traseira amassada e totalmente destruída. O vidro da frente estava quebrado em pedaços, mas ainda no carro. Pensei que, se houvesse alguém naquele carro no momento do acidente, esse alguém não tinha como sobreviver. E se houvesse talvez uma família? Um casal? O que será que aconteceu de fato? Eu não sabia.

Os comentários começaram a soar no ônibus, e as pessoas de imediato comentavam o ocorrido dizendo ‘’isso que dá ser imprudente’’, sendo que as mesmas nem sabiam de fato o que acontecera na hora exata do acidente. Logo após , todos esqueceram – já estavam acostumados com coisas assim – e o assunto morreu até todos se calarem e pude ouvir o silêncio fúnebre invadir a atmosfera daquele lugar.  Logo após muitas pessoas desceram no ônibus,  eu pude sentar . Peguei o livro que estava na bolsa. O marcador marcava onde parei. Página 28 do livro ‘’O diário de Suzana para Nicolas’’ e ao mesmo tempo em que lia, eu refletia por tudo que pensara desde a hora que acordei até aquele exato momento.

A vida é um milagre. E a morte? Quem sabe? Quando eu era criança, sempre que me pediam para rezar pelos mortos, eu não sabia o que fazer. Eu não conhecia muita gente morta, pelo menos que tivesse sido especial para mim. Só conhecia aquela vó de um amigo meu, um tio distante ou um amigo de alguém da minha família que eu nunca vi. E pedia por eles mesmo assim.

Hoje em dia conheço mais gente morta do que queria. Pessoas que eu olhei nos olhos, contemplei, disse bom dia, desdenhei, abracei. Pessoas que eu falava e pessoas que eu só conhecia ‘’de vista’’. É estranho mesmo que eu não tenha perdido partes de mim e não quero nem pensar nisso, como seria minha escapatória? Escrever? Chorar? Como lidar com esses pensamentos confusos se meu coração dói a cada vida que eu vejo ir. Eu me sinto diferente mas sei que alguém nesse mundo se parece comigo e por esse motivo eu escrevo aqui, sentava numa almofada, com o computador em cima da cama e olhando a chuva fina cair lá fora em meio a paisagem verde que vejo todos os dias iluminada com o sol que mesmo escondido, emana luz até as quase as 20hrs  da noite devido ao horário de verão, e é assim, todos os dias.

Esse texto vai ter que acabar aqui, em no máximo dois parágrafos. Por que tudo que começa tem que acabar. Fins e começos representam coisas tão contrárias, mas ao mesmo tempo são tão juntos. Um não podem existir sem o outro, vejo essa relação interdependente que a morte tem com a vida.  A morte nem sempre é um fim. Um vazio. Um vale sem um rio. Pode ser um novo começo. A abertura de algo novo. Tudo depende da forma em que acontece e sobretudo no momento em que acontece.

Um hoje vale dois amanhãs. Foi a frase que a personagem do livro disse ao seu filho, na aceitação do risco de viver e da consequência da morte. Somos vulneráveis a vida, devemos ter cautela, mas não podemos simplesmente nos esconder dela. Devemos assumir o risco agora. E amanhã? É privilégio. Hoje é vida. Arrisca.

Esta crônica foi escrita em alguma semana chuvosa do mês de Janeiro. Decidi publica-la agora devido a Quarta feira de cinzas, acho que esse assunto combina com data e vale a reflexão para o dia.